

Entrega das chaves: a armadilha silenciosa do fim do contrato de locação
Por Dra. Paula Farias – Advogada especializada em Direito Imobiliário
Joana passou dois anos morando em um apartamento alugado. Pagou sempre em dia, cuidou do imóvel com zelo, pintou as paredes antes da entrega e limpou tudo com capricho. Quando chegou o momento de encerrar o contrato, sentiu aquele alívio comum de quem conclui uma etapa sem pendências.
Foi então que veio a surpresa.
A vistoria final, feita pela imobiliária, apontava uma série de “danos” que ela não reconhecia: rejunte escurecido, marca de quadro na parede, microfissuras em azulejos, desgaste natural no piso. O relatório era tão minucioso quanto absurdo — e mais grave, não batia com a vistoria inicial. Muitos dos itens sequer haviam sido registrados no começo do contrato.
Para entregar as chaves, Joana teria que pagar quase R$ 3 mil em reparos. Caso contrário, a imobiliária não aceitaria a devolução. Joana ficou sem escolha.
Infelizmente, o caso de Joana não é exceção. É mais comum do que se imagina. No momento da rescisão do contrato, muitas imobiliárias impõem cobranças indevidas sob a justificativa de “danos ao imóvel”, mesmo quando esses não constam na vistoria inicial ou são fruto de uso normal, que não gera obrigação de reparo por parte do locatário.
O problema se agrava quando há um depósito caução envolvido — muitas vezes de três meses de aluguel. Com esse valor já em mãos, a imobiliária se vê confortável para descontar o que quiser, sabendo que a resistência do locatário pode ser mínima. Afinal, quem quer se envolver em disputa jurídica por um valor que talvez demore meses para reaver?
Muitos acabam cedendo.
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O que poucos sabem é que o locatário tem direitos garantidos por lei. Nenhuma cobrança pode ser feita de forma genérica ou desproporcional. A comparação entre as vistorias inicial e final deve ser objetiva e equilibrada, levando em conta o desgaste natural pelo uso do imóvel. Mais ainda: a entrega das chaves não pode ser condicionada ao pagamento imediato de valores em discussão. Caso haja divergência, o locatário pode buscar meios judiciais para entregar o imóvel com segurança e contestar posteriormente qualquer cobrança abusiva. Inclusive com o depósito judicial das chaves e das eventuais quantias que entender razoáveis. É claro: o ideal é evitar o litígio. Para isso, algumas precauções ajudam: • Guarde cópias das vistorias inicial e final; • Faça um checklist com fotos ao entrar e ao sair do imóvel; • Negocie por escrito qualquer ponto de discordância com a imobiliária; • E, se perceber abuso, não hesite em buscar orientação jurídica. Nem toda entrega de chaves precisa virar uma dor de cabeça. Mas é fundamental estar atento. Porque, no fim das contas, o encerramento do contrato não deveria ser um momento de confronto, e sim de fechamento justo — para todas as partes envolvidas. Atenção: se você estiver passando por situação semelhante, busque orientação qualificada. Nem sempre é necessário entrar com uma ação judicial, mas entender seus direitos é o primeiro passo para evitar prejuízos.